segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Inclusão feita com o uso de nome social

Norma permite a troca de nome de registro em documentos internos de escolas e universidades do Paraná. Movimento LGBT considera a medida um avanço
Publicado em 13/02/2011 | VANESSA PRATEANO

A transexual Bruna Hartmann, em frente ao prédio do Setor de Ciências Biológicas, onde estudava: direito ainda não está assegurado na UFPR
Não chega a ser difícil encontrar quem não goste do próprio nome – por ser muito exótico, conservador ou até mesmo sem graça. Contudo, há casos em que não se trata de uma simples questão de “gostar”. O nome chega a causar dor, significando a negação da própria existência e levando, inclusive, à exclusão. “As pessoas me chamam de moça, de senhora, e, quando olham para mim, veem uma mulher”, conta Sabrina Mab Taborda, de 22 anos. “Mas, quando olham meus documentos, me tratam diferente. Passam a me tratar como homem, mesmo que diante delas esteja uma mulher”, completa a militante transexual.
Para Sabrina, assim como para outros transexuais e travestis, a luta contra a discriminação tem um nome: aquele que escolheram usar nas relações cotidianas, o chamado “nome social”. O direito ao nome de opção, e não ao que consta na certidão de nascimento, é uma das principais bandeiras do movimento LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais). O nome social é considerado um dos maiores aliados no combate à evasão escolar de pessoas desse grupo, cujas chances de profissionalização se resumem muitas vezes à prostituição.
Registro de nascimento traz incômodo
A quem se pergunta como pode o nome de registro, escolhido pelos pais, causar tanto constrangimento, a resposta de quem vive ou convive com o problema é que o nome civil traz à tona uma situação incômoda – a de que a travesti ou transexual não é o que ela tem a convicção de ser. “Ser transexual ou travesti não é uma escolha. Esse sentimento de pertencer a uma outra identidade vem desde a infância. Até que a pessoa assuma, é um longo caminho. Quando eu chamo por um nome masculino alguém que lutou para se portar e vestir como mulher, eu estou negando todo esse processo e esse sofrimento”, analisa a psicóloga e membro do Conselho de Psicologia do Paraná, Karlesy Stamm.
Segundo a psicóloga, ao ouvir o nome de registro, muitos transexuais podem reviver o trauma de quando ainda lutavam para fazer a transformação, o que pode desencadear uma série de transtornos psicológicos, como depressão e tendências suicidas. A psicóloga afirma que, ao contrário do que se pensa, o nome social não é um capricho. “Essa pessoa precisa ser reconhecida, como qualquer indivíduo, e isso passa pelo nome. Não basta para ela estar bem consigo mesma. Ela vive em sociedade e precisa do respeito dela, afinal, ninguém quer ser invisível”. (VP)
Medida ainda é limitada
O parecer do Conselho Estadual de Educação (CEE) do Paraná, que permite o uso do nome social de transexuais e travestis em documentos internos de instituições de ensino, é considerado uma conquista pelo movimento LGBT e por educadores, mas ainda precisa avançar. No momento, a norma não enquadra professores, funcionários das escolas nem alunos menores de 18 anos. “Nossa luta é para que todos que fazem parte do ambiente escolar sejam contemplados. A medida não pode excluir, por exemplo, o professor, que deve ser respeitado pela classe e pelos colegas pelo que ele é. Também não podemos excluir os menores de 18 anos, até porque, com essa idade, muitos já abandonaram a escola”, diz a responsável pela Secretaria de Gênero e Raça do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná, Lirani Maria Franco.
O professor e membro do CEE Arnaldo Vicente, relator do parecer, concorda que é preciso haver o debate sobre a inclusão de professores e funcionários, mas afirma que o pedido deve partir da própria classe. “O conselho só se manifesta quando provocado. Se os professores querem discutir o assunto, devem se mobilizar.” Sobre a inclusão de menores de 18 anos no parecer, Vicente afirma que ainda não há um entendimento jurídico sobre o tema, mas que o conselho está analisando o pedido dos pais de uma transexual de 16 anos do interior do estado. Caso o parecer seja favorável, pode balizar futuros pedidos feitos por menores de idade. (VP)
No Paraná, um parecer de 2010 do Conselho Estadual de Educação (CEE), de caráter normativo, dá aos transexuais e travestis maiores de 18 anos o direito de usar o nome social em documentos internos de escolas públicas e privadas e de universidades estaduais. A resolução vale apenas para documentos internos, como boletins e livros de chamada, não para certificados e diplomas. Essa é a primeira de outras medidas necessárias para combater a discriminação em sala de aula.
Adeus à escola
Para militantes e educadores, o constrangimento enfrentado na escola diante do uso do nome civil em chamadas é decisivo para o abandono da escola. Uma pesquisa inédita feita em 2010 pela professora Dayana Brunetto, em sua dissertação de mestrado “Carto­­­grafias da transexualidade: a experiência escolar e outros traumas”, para o Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), demonstra que a escola é o ambiente onde mais ocorrem traumas. Geralmente, os anos escolares coincidem com o período de transformação.
De acordo com Dayana, as chances de abandonar a escola são maiores quando a transformação se dá durante a vida escolar. A pesquisa mostrou que as pessoas que conseguiram terminar os estudos se assumiram mais tarde. Já aquelas que iniciaram a transformação durante esse período, via de regra, desistiram de estudar. “Não é uma relação de causa e efeito, mas é um elemento a ser considerado. Esses corpos são ambíguos, e a escola nunca soube lidar com a ambiguidade. Como ela não consegue ter esse controle, há a discriminação, como forma de negar aquela pessoa diferente, que acaba excluída.”
O caso de Sabrina é emblemático. Durante o ensino médio, ela ainda não havia iniciado a transformação, fazendo com que o período fosse “tranquilo”. No entanto, o sonho da faculdade foi interrompido em dezembro, durante a segunda fase do vestibular da UFPR, quando já havia se assumido. “O fiscal, mesmo vendo uma mu­­­lher na frente dele, e o ‘Sabri­­­na’ no RG, me chamou pelo nome de registro duas vezes. Aí, as pessoas me olharam, me senti humilhada e chorei na frente de todo mundo. Não passei”, conta.
Já Bruna Hartmann, 20 anos, foi um pouco mais adiante. Mas não muito. Entrou em Biologia na UFPR, em 2009, antes de assumir a nova identidade. Quando se transformou, vieram os comentários e o tratamento “diferente”, o que colaborou para que ela trancasse o curso no primeiro ano. “Quando pedi para ser chamada pelo nome social nos documentos, um antigo coordenador deu uma série de desculpas. Depois de insistir e chorar, acabei conseguindo fazer a carteirinha [de aluno]. Mas, quanto à chamada e ao edital de notas, depende da vontade de cada um [professor]”.
Este ano, Bruna pretende retomar os estudos e torce para que os novos colegas e os professores respeitem o nome que escolheu. “Só de não saberem meu nome de registro já é um grande alívio. Assim, eles não podem usá-lo contra mim para me ofender. Meu nome é Bruna, e eu quero ser chamada assim.”

http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=1096173&tit=Inclusao-feita-com-o-uso-de-nome-social

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