Norma permite a troca de nome de registro em documentos internos de escolas e universidades do Paraná. Movimento LGBT considera a medida um avanço
Publicado em 13/02/2011 | VANESSA PRATEANO
A transexual Bruna Hartmann, em frente ao prédio do Setor de Ciências Biológicas, onde estudava: direito ainda não está assegurado na UFPR
Não chega a ser difícil encontrar quem não goste do próprio nome – por ser muito exótico, conservador ou até mesmo sem graça. Contudo, há casos em que não se trata de uma simples questão de “gostar”. O nome chega a causar dor, significando a negação da própria existência e levando, inclusive, à exclusão. “As pessoas me chamam de moça, de senhora, e, quando olham para mim, veem uma mulher”, conta Sabrina Mab Taborda, de 22 anos. “Mas, quando olham meus documentos, me tratam diferente. Passam a me tratar como homem, mesmo que diante delas esteja uma mulher”, completa a militante transexual.
Para Sabrina, assim como para outros transexuais e travestis, a luta contra a discriminação tem um nome: aquele que escolheram usar nas relações cotidianas, o chamado “nome social”. O direito ao nome de opção, e não ao que consta na certidão de nascimento, é uma das principais bandeiras do movimento LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais). O nome social é considerado um dos maiores aliados no combate à evasão escolar de pessoas desse grupo, cujas chances de profissionalização se resumem muitas vezes à prostituição.
No Paraná, um parecer de 2010 do Conselho Estadual de Educação (CEE), de caráter normativo, dá aos transexuais e travestis maiores de 18 anos o direito de usar o nome social em documentos internos de escolas públicas e privadas e de universidades estaduais. A resolução vale apenas para documentos internos, como boletins e livros de chamada, não para certificados e diplomas. Essa é a primeira de outras medidas necessárias para combater a discriminação em sala de aula.
Adeus à escola
Para militantes e educadores, o constrangimento enfrentado na escola diante do uso do nome civil em chamadas é decisivo para o abandono da escola. Uma pesquisa inédita feita em 2010 pela professora Dayana Brunetto, em sua dissertação de mestrado “Cartografias da transexualidade: a experiência escolar e outros traumas”, para o Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), demonstra que a escola é o ambiente onde mais ocorrem traumas. Geralmente, os anos escolares coincidem com o período de transformação.
De acordo com Dayana, as chances de abandonar a escola são maiores quando a transformação se dá durante a vida escolar. A pesquisa mostrou que as pessoas que conseguiram terminar os estudos se assumiram mais tarde. Já aquelas que iniciaram a transformação durante esse período, via de regra, desistiram de estudar. “Não é uma relação de causa e efeito, mas é um elemento a ser considerado. Esses corpos são ambíguos, e a escola nunca soube lidar com a ambiguidade. Como ela não consegue ter esse controle, há a discriminação, como forma de negar aquela pessoa diferente, que acaba excluída.”
O caso de Sabrina é emblemático. Durante o ensino médio, ela ainda não havia iniciado a transformação, fazendo com que o período fosse “tranquilo”. No entanto, o sonho da faculdade foi interrompido em dezembro, durante a segunda fase do vestibular da UFPR, quando já havia se assumido. “O fiscal, mesmo vendo uma mulher na frente dele, e o ‘Sabrina’ no RG, me chamou pelo nome de registro duas vezes. Aí, as pessoas me olharam, me senti humilhada e chorei na frente de todo mundo. Não passei”, conta.
Já Bruna Hartmann, 20 anos, foi um pouco mais adiante. Mas não muito. Entrou em Biologia na UFPR, em 2009, antes de assumir a nova identidade. Quando se transformou, vieram os comentários e o tratamento “diferente”, o que colaborou para que ela trancasse o curso no primeiro ano. “Quando pedi para ser chamada pelo nome social nos documentos, um antigo coordenador deu uma série de desculpas. Depois de insistir e chorar, acabei conseguindo fazer a carteirinha [de aluno]. Mas, quanto à chamada e ao edital de notas, depende da vontade de cada um [professor]”.